19 de Abril de 2024

Democracia no Século XXI

Stefania Barca e Teresa Cunha

Na região de Rojava, localizada no Norte e Leste da Síria, o Movimento de Libertação Curdo incitou um processo revolucionário conhecido como Confederalismo Democrático. Concebido pelo líder curdo Abdullah Öcalan no início dos anos 2000, tal paradigma baseia-se em três princípios fundamentais: a democracia radical, a libertação das mulheres e a ecologia. Apesar do conceito de democracia radical ter recebido uma considerável atenção da literatura existente, seja com foco no conceito em si, seja na sua articulação com os outros dois pilares do Confederalismo Democrático, a conexão entre a libertação das mulheres e a ecologia permaneceu inadequadamente inexplorada. Considerando a importância desses dois pilares para as políticas feministas e ambientais do século XXI, esta tese propõe-se a investigar as formas como os mencionados princípios articulam-se no âmbito do Confederalismo Democrático e como foram mobilizados pelo Movimento das Mulheres Curdas em Rojava e no contexto transnacional. Neste fazer, a investigação traz uma contribuição original para os debates atuais sobre a interseção entre políticas feministas, decoloniais e ecologistas. Combina a abordagem da Ecologia Política Feminista com a Teoria Decolonial, tendo sido construída ao longo de quase cinco anos de etnografia militante no seio do Movimento das Mulheres Curdas em Rojava e na Europa.

Este trabalho se divide em duas partes: a primeira inicia-se com um panorama histórico do Confederalismo Democrático, apresenta as questões, hipóteses, metodologia, enquadramento teórico e, por fim, os resultados da investigação; a segunda parte engloba três artigos científicos - dois deles já publicados e um em processo de publicação no momento da submissão da tese.

O primeiro artigo lança luz à interligação entre ecofeminismo e Confederalismo Democrático, examinando criticamente a teoria da modernidade capitalista-patriarcal de Öcalan e a análise histórica das sociedades ecológicas matriarcais mesopotâmicas feita pelo líder curdo, a qual se encontra no fundamento do seu projeto comunalista emancipatório e da Jineolojî. Essa última, em curdo, "ciência das mulheres e da vida", é abordada como uma nova metodologia de produção de conhecimento e transformação sócio-ecológica promulgada pelo Movimento de Mulheres Curdas na última década. O segundo artigo explora o potencial da "perspetiva matrística" ("matristic perspective") no âmbito do processo revolucionário a decorrer em Rojava. Usando uma abordagem feminista decolonial, as estratégias pedagógicas da Jineolojî para revitalizar os saberes, memórias e modos de reprodução da vida existentes em sociedades "matrísticas" são analisadas, colocando em destaque a agência sócio-ecológica das mulheres no contexto mais alargado da construção da democracia na região. O terceiro e último artigo analisa os desafios encontrados pelas ativistas de Jineolojî para traduzir sua epistemologia e visão de mundo para movimentos feministas queer na Europa. Além disso, o artigo explora o potencial de tal processo de tradução cultural na criação de alianças feministas decoloniais.

A presente tese oferece, assim, uma compreensão inovadora do Confederalismo Democrático, argumentando que a dimensão ecológica desse projeto emancipatório está intrinsecamente conectada à luta do Movimento das Mulheres Curdas pela despatriarcalização e descolonização da sociedade. A compreensão e o uso da noção de "perspetiva matrística" como central no paradigma Curdo é por mim introduzida para destacar tal ligação. Essa noção representa a pedagogia e práxis feminista decolonial empregada pela Jineolojî para trazer de volta ao seio da revolução em Rojava os valores da reprodução sócio-ecológica e para avançar com alianças feministas decoloniais capazes de desafiar o patriarcado, o capitalismo e o colonialismo do Sul ao Norte Global.

Palavras-chave: Ecologia Política Feminista; Teoria Decolonial; Confederalismo Democrático; Movimento das Mulheres Curdas; Perspetiva Matrística