Teses Defendidas

Ao trabalho os seus direitos. A regulação sociojurídica laboral e o seu impacto na experiência dos/as trabalhadores/as

Andreia Santos

Data de Defesa
19 de Julho de 2022
Programa de Doutoramento
Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo
Orientação
António Casimiro Ferreira
Resumo
A regulação sociojurídica do trabalho, sobretudo, a partir de 1980, tem sido pautada por transformações políticas e socioeconómicas que têm contribuído para a flexibilização do direito do trabalho. Mais recentemente, e sob este signo, a crise financeira de 2008 resultou na implementação de um regime austeritário em vários países da Europa, o qual teve um forte impacto na esfera laboral.

A partir deste cenário e, em particular, da realidade portuguesa, propõe-se uma discussão sobre a normatividade subjacente ao direito do trabalho e o seu impacto na experiência dos indivíduos, através da contraposição de dois paradigmas sociojurídicos das relações laborais: por um lado, o paradigma da austeridade em Portugal que seguiu a linha da contínua flexibilização da legislação laboral enquanto instrumento para a resolução de problemas económicos e, por outro lado, a conceção do trabalho digno da Organização Internacional do Trabalho (OIT) assente numa perspetiva de valorização da segurança socioeconómica, decorrente da importância da multidimensionalidade do trabalho abrangente a todos os aspetos da vida dos indivíduos. A contraposição entre estes dois paradigmas efetua-se através da conformidade, ou não conformidade, entre as alterações à legislação laboral em Portugal, fruto da aplicação do Memorando e com tradução na Lei nº 23/2012, de 25 de junho, com os correspondentes tipos de segurança associados ao trabalho no âmbito do paradigma do trabalho digno. Na prática colocam-se em confronto medidas como o banco de horas individual, a facilitação dos despedimentos, o corte do valor das horas extraordinárias, entre outras, face à segurança no trabalho assente nas condições de trabalho e promoção do bem-estar; a segurança no emprego refletida nos riscos e incertezas dos trabalhadores em assegurar o emprego e à proteção garantida; a segurança no salário por se constituir um elemento fundamental na segurança económica e ontológica dos indivíduos; e a segurança representativa enquanto instrumento privilegiado de defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores. No contexto desta tensão pretende apurar-se as perceções e representações dos/as trabalhadores/as através da forma como estes elementos se traduzem na sua experiência.

A pesquisa parte de duas hipóteses centrais. A primeira afirma que a aplicação das reformas laborais austeritárias em Portugal, no período de 2011 a 2014, estão em discordância com o paradigma do trabalho digno da OIT, assente no conceito de segurança socioeconómica; e a segunda hipótese radica na afirmação de que a experiência dos/as trabalhadores/as aponta para um agravamento da precariedade, de que resulta uma crescente vulnerabilidade. Como principais objetivos pretende-se avaliar as opções políticas e económicas face à regulação laboral; questionar o valor do trabalho nas sociedades contemporâneas; e demonstrar a importância do fortalecimento dos direitos associados ao trabalho através da experiência dos indivíduos. Mais especificamente, trata-se de realçar o paradigma do trabalho digno da OIT; interpretar e estudar a influência do paradigma da austeridade no direito do trabalho; compreender o impacto das reformas laborais para os trabalhadores; e perceber qual o valor do trabalho para os indivíduos através da sua relação com o direito.

Metodologicamente, a partir do estudo sociológico sobre o direito, privilegia-se uma abordagem qualitativa que toma como principais métodos e técnicas a pesquisa e análise documental e o recurso a entrevistas semiestruturadas. Destaca-se a complementaridade entre os níveis macro e micro, e procura evidenciar-se a relação entre segurança e vulnerabilidade enquanto quadro conceptual sobre o qual se pode identificar, analisar e interpretar a relação entre a normatividade laboral e as experiências dos/as trabalhadores/as. Tomou-se como objeto empírico os/as trabalhadores/as do sector terciário, de atividades do comércio e serviços, em grandes e médias empresas do distrito de Coimbra.

A análise desenvolvida permitiu, de um modo geral, confirmar as hipóteses estabelecidas. Em primeiro lugar, a austeridade veio aprofundar a flexibilização laboral que já estava patente nas reformas anteriores e, ao fazê-lo, contribuiu para a diminuição de todos os tipos de segurança associados ao trabalho. Em segundo lugar, a experiência dos/as trabalhadores/as reflete a regulação do trabalho enquanto resultado de escolhas políticas e socioeconómicas que se traduzem em situações de crescente vulnerabilidade e insegurança. O rumo das transformações aponta para a desvalorização contínua do trabalho, não apenas no seu sentido pecuniário, como simbólico. Este trabalho pretende contribuir para o aprofundamento sociojurídico da realidade laboral e abrir novas pistas de análise sobre a importância da normatividade do direito do trabalho na evolução das sociedades.

Palavras-chave: trabalho; direito do trabalho; austeridade; trabalho digno; segurança; vulnerabilidade