Teses Defendidas
Para além de um Índico de desesperos e revoltas. Uma análise feminista pós-colonial das estratégias de autoridade e poder das mulheres de Moçambique e Timor-Leste
1 de Junho de 2011
Pós-Colonialismos e Cidadania Global
Boaventura de Sousa Santos
e
Maria Paula Meneses
E para além de tudo
Por sobre Índicos de desesperos e revoltas,
Fatalismo e repulsas,
Trouxemos esperança
As mulheres de Moçambique e Timor-Leste não parecem dispostas a abdicar dos poderes que conquistaram depois das Guerras de Libertação e das independências dos seus países.
Em Moçambique e em Timor-Leste as lutas políticas e militares contra o colonialismo português contaram sempre com a participação das mulheres nas várias esferas de acção e com graus de envolvimento decisivos. É interessante notar que a experiência das guerras e das lutas anti-coloniais convocaram, para o espaço do interesse comum, múltiplas competências do 'privado' exercidas por mulheres (e homens), transformando-as em tarefas e responsabilidades de interesse público. Esta turbulência e alteração da escala de actuação provocada pelo envolvimento das mulheres no projecto anti-colonial e na construção de uma identidade nacional, permitiu constituir ou acelerar espaços de transgressão e de reconfiguração das suas subjectividades e da sua função e estatuto na sociedade. No entanto, esta participação das mulheres e a activação de uma retórica de emancipação face ao colonialismo não são condições, de per se, para se considerar que elas se tornaram, consequentemente, sujeitas por inteiro da sua própria narrativa e, portanto, livres e emancipadas na imaginação e construção do país que se tornou, politicamente, independente. Aliás, encher de palavras [este] silêncio histórico [tem sido] uma tarefa árdua e difícil conquista de desconstrução e reconstrução do lugar de pronunciamento deste Outro que tem sido a maioria das mulheres destes países. Face às dificuldades encontradas, as mulheres teceram a sua própria narrativa de acção e pensamento, consentindo e resistindo num movimento que transita entre consentir em / resistir a / revoltar-se e, é nele, que estão inscritas a maioria das experiências das mulheres individuais e dos grupos que elas formam e constituem.
É a partir destas realidades que desenvolvo um triplo interesse epistemológico que pretendo aprofundar e esclarecer ao longo da minha tese de doutoramento. Por um lado, interessa-me discutir qual é o mapa relacional e cognitivo que enforma as estratégias que as mulheres usam para compreender e significar a sua experiência nestes dois espaços ex-colonizados por Portugal. Isto significa compreender como estão as mulheres a usar as suas experiências, diversas e ambivalentes, para implementar processos de resistência a novas e velhas opressões e regulações, assim como para criar e manter espaços de poder. Interessa-me averiguar e compreender a sua agência e coragem sem negligenciar as suas dificuldades e tragédias.
Em segundo lugar, tenho por objectivo desenvolver uma hermenêutica que possibilite a construção diatópica de um discurso, com base nas narrativas diferenciadas e dinâmicas das próprias mulheres. Sendo o desarme da palavra uma das mais severas formas de epistemicídio, colonialismo e de exclusão sexista - porque se é mandada calar, ou pior, porque se desaprendeu a palavra - a palavra, neste âmbito, será tanto uma metodologia de conhecimento, como uma Outra narrativa ainda por contar, acerca deste tempo e destes espaços pós-independência mas, certamente, ainda não pós-coloniais.
Por fim, tendo consciência que uso a minha experiência, conhecimentos e narrativa colonial, pretendo participar, criativamente, em entendimentos mais complexos sobre o trânsito colonial e as emergências pós-coloniais que naquele Oceano Índico - entre Moçambique e Timor-Leste - têm uma inscrição histórica na qual as mulheres têm amplamente participado.
Como já ficou expresso atrás, as independências de Timor-Leste e de Moçambique, se bem que de forma diferente, suscitaram a emergência de uma retórica de emancipação das mulheres e de igualdade formal entre mulheres e homens. Contudo suspeito que, nestes mesmos países, as mulheres buscam hoje a territorialidade no seu próprio corpo ainda porventura colonizado ao invés da Terra agora já livre e estão a produzir novas relações de poder nas mais variadas esferas da vida. Interessa-me, pois, trabalhar em dois âmbitos da invenção ou re-invenção social dos poderes destas mulheres de Timor-Leste e Moçambique. Analisarei, por um lado, uma esfera mais convencional, isto é, as suas organizações e associações, mais ou menos formais, mais ou menos abrangentes e por outro lado, uma realidade mais ex-cêntrica, ou seja, a sua participação e papel nos sistemas económicos ditos 'informais'. Nestas duas esferas de acção pretendo ver melhor como isto está a alterar as suas vidas e as formas e as razões do exercício dos seus poderes. É partir daqui que formulo as minhas hipóteses de trabalho que pretendem dar conta desta complexa teia de significados.
1/ As associações e organizações de mulheres são redes que se apoiam em interesses comuns ou laços sociais e que têm um potencial subversivo nas sociedades contemporâneas quer de Moçambique quer de Timor-Leste.
2/ Existem no espectro associativo de um país e do outro um conjunto de associações que reforçam a ideia de que cabe às mulheres serem pacientes, perseverantes, esperar e aguentar as situações sem queixas, i.é, resolver as coisas sem provocar rupturas e que isso faz parte da sua identidade feminina que deve ser mantida e transmitida às suas filhas.
3/ As mulheres estão a usar as suas múltiplas memórias (coloniais, anti-coloniais e da independência) para pensar a sua acção e o seu poder ao nível dos seus grupos e associações e com isso estão a responder tanto aos seus problemas de preservação de identidade como de desenvolvimento e emancipação.
4/ A guerra e a pobreza com que Moçambique e Timor-Leste se têm confrontado têm forjado circuitos e estruturas económicas ex-cêntricas, ditas economias informais, que são sustentadas, em grande medida, pelas mulheres e nas quais elas são as principais protagonistas.
5/ As actividades económicas das mulheres em Moçambique ou em Timor-Leste apresentam características mistas de formal e informal, subvertendo a dicotomia entre trabalho produtivo e reprodutivo quer pela natureza dos seus negócios, as competências envolvidas e a organização que estabelecem para seu controlo e gestão.
6/ A par do poder obtido pelas mulheres através da sua independência económica devida à sua presença maciça nos circuitos económicos ditos informais, está a ocorrer um movimento de sinal contrário que representa mais violência nas diversas esferas da vida das mulheres.
É meu objectivo sublinhar que a construção de uma análise feminista pós-colonial necessita de ampliar a sua discursividade analítica, trazendo para o seu centro o que tem permanecido na margem onde se abrigam as coisas precárias e onde se afirmam as alteridades. Este sublinhado analítico não tem por objectivo produzir novas margens mas construir múltiplas centralidades que têm estado obscurecidas pelo sexismo e pela injustiça cognitiva.
Data de Defesa
Programa de Doutoramento
Orientação
Resumo
Por sobre Índicos de desesperos e revoltas,
Fatalismo e repulsas,
Trouxemos esperança
As mulheres de Moçambique e Timor-Leste não parecem dispostas a abdicar dos poderes que conquistaram depois das Guerras de Libertação e das independências dos seus países.
Em Moçambique e em Timor-Leste as lutas políticas e militares contra o colonialismo português contaram sempre com a participação das mulheres nas várias esferas de acção e com graus de envolvimento decisivos. É interessante notar que a experiência das guerras e das lutas anti-coloniais convocaram, para o espaço do interesse comum, múltiplas competências do 'privado' exercidas por mulheres (e homens), transformando-as em tarefas e responsabilidades de interesse público. Esta turbulência e alteração da escala de actuação provocada pelo envolvimento das mulheres no projecto anti-colonial e na construção de uma identidade nacional, permitiu constituir ou acelerar espaços de transgressão e de reconfiguração das suas subjectividades e da sua função e estatuto na sociedade. No entanto, esta participação das mulheres e a activação de uma retórica de emancipação face ao colonialismo não são condições, de per se, para se considerar que elas se tornaram, consequentemente, sujeitas por inteiro da sua própria narrativa e, portanto, livres e emancipadas na imaginação e construção do país que se tornou, politicamente, independente. Aliás, encher de palavras [este] silêncio histórico [tem sido] uma tarefa árdua e difícil conquista de desconstrução e reconstrução do lugar de pronunciamento deste Outro que tem sido a maioria das mulheres destes países. Face às dificuldades encontradas, as mulheres teceram a sua própria narrativa de acção e pensamento, consentindo e resistindo num movimento que transita entre consentir em / resistir a / revoltar-se e, é nele, que estão inscritas a maioria das experiências das mulheres individuais e dos grupos que elas formam e constituem.
É a partir destas realidades que desenvolvo um triplo interesse epistemológico que pretendo aprofundar e esclarecer ao longo da minha tese de doutoramento. Por um lado, interessa-me discutir qual é o mapa relacional e cognitivo que enforma as estratégias que as mulheres usam para compreender e significar a sua experiência nestes dois espaços ex-colonizados por Portugal. Isto significa compreender como estão as mulheres a usar as suas experiências, diversas e ambivalentes, para implementar processos de resistência a novas e velhas opressões e regulações, assim como para criar e manter espaços de poder. Interessa-me averiguar e compreender a sua agência e coragem sem negligenciar as suas dificuldades e tragédias.
Em segundo lugar, tenho por objectivo desenvolver uma hermenêutica que possibilite a construção diatópica de um discurso, com base nas narrativas diferenciadas e dinâmicas das próprias mulheres. Sendo o desarme da palavra uma das mais severas formas de epistemicídio, colonialismo e de exclusão sexista - porque se é mandada calar, ou pior, porque se desaprendeu a palavra - a palavra, neste âmbito, será tanto uma metodologia de conhecimento, como uma Outra narrativa ainda por contar, acerca deste tempo e destes espaços pós-independência mas, certamente, ainda não pós-coloniais.
Por fim, tendo consciência que uso a minha experiência, conhecimentos e narrativa colonial, pretendo participar, criativamente, em entendimentos mais complexos sobre o trânsito colonial e as emergências pós-coloniais que naquele Oceano Índico - entre Moçambique e Timor-Leste - têm uma inscrição histórica na qual as mulheres têm amplamente participado.
Como já ficou expresso atrás, as independências de Timor-Leste e de Moçambique, se bem que de forma diferente, suscitaram a emergência de uma retórica de emancipação das mulheres e de igualdade formal entre mulheres e homens. Contudo suspeito que, nestes mesmos países, as mulheres buscam hoje a territorialidade no seu próprio corpo ainda porventura colonizado ao invés da Terra agora já livre e estão a produzir novas relações de poder nas mais variadas esferas da vida. Interessa-me, pois, trabalhar em dois âmbitos da invenção ou re-invenção social dos poderes destas mulheres de Timor-Leste e Moçambique. Analisarei, por um lado, uma esfera mais convencional, isto é, as suas organizações e associações, mais ou menos formais, mais ou menos abrangentes e por outro lado, uma realidade mais ex-cêntrica, ou seja, a sua participação e papel nos sistemas económicos ditos 'informais'. Nestas duas esferas de acção pretendo ver melhor como isto está a alterar as suas vidas e as formas e as razões do exercício dos seus poderes. É partir daqui que formulo as minhas hipóteses de trabalho que pretendem dar conta desta complexa teia de significados.
1/ As associações e organizações de mulheres são redes que se apoiam em interesses comuns ou laços sociais e que têm um potencial subversivo nas sociedades contemporâneas quer de Moçambique quer de Timor-Leste.
2/ Existem no espectro associativo de um país e do outro um conjunto de associações que reforçam a ideia de que cabe às mulheres serem pacientes, perseverantes, esperar e aguentar as situações sem queixas, i.é, resolver as coisas sem provocar rupturas e que isso faz parte da sua identidade feminina que deve ser mantida e transmitida às suas filhas.
3/ As mulheres estão a usar as suas múltiplas memórias (coloniais, anti-coloniais e da independência) para pensar a sua acção e o seu poder ao nível dos seus grupos e associações e com isso estão a responder tanto aos seus problemas de preservação de identidade como de desenvolvimento e emancipação.
4/ A guerra e a pobreza com que Moçambique e Timor-Leste se têm confrontado têm forjado circuitos e estruturas económicas ex-cêntricas, ditas economias informais, que são sustentadas, em grande medida, pelas mulheres e nas quais elas são as principais protagonistas.
5/ As actividades económicas das mulheres em Moçambique ou em Timor-Leste apresentam características mistas de formal e informal, subvertendo a dicotomia entre trabalho produtivo e reprodutivo quer pela natureza dos seus negócios, as competências envolvidas e a organização que estabelecem para seu controlo e gestão.
6/ A par do poder obtido pelas mulheres através da sua independência económica devida à sua presença maciça nos circuitos económicos ditos informais, está a ocorrer um movimento de sinal contrário que representa mais violência nas diversas esferas da vida das mulheres.
É meu objectivo sublinhar que a construção de uma análise feminista pós-colonial necessita de ampliar a sua discursividade analítica, trazendo para o seu centro o que tem permanecido na margem onde se abrigam as coisas precárias e onde se afirmam as alteridades. Este sublinhado analítico não tem por objectivo produzir novas margens mas construir múltiplas centralidades que têm estado obscurecidas pelo sexismo e pela injustiça cognitiva.